"Xingu, o clamor da floresta" |
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SINOPSE |
"O índio estacionou no tempo e no espaço. O mesmo arco que faz hoje, seus antepassados faziam há mil anos. Se pararam nesse sentido, evoluíram quanto ao comportamento do homem dentro da sociedade. O índio em sua comunidade tem um lugar estável e tranquilo. É totalmente livre, sem precisar dar satisfações de seus atos a quem quer que seja. Toda a estabilidade social, toda a coesão, está assentada num mundo mítico. Que diferença enorme entre as duas humanidades! Uma tranquila, onde o homem é dono de todos os seus atos. Outra, uma sociedade em convulsão, onde é preciso um aparato, um sistema repressivo para poder manter a ordem e a paz." (Orlando Villas-Bôas, sertanista) INTRODUÇÃO Hoje, não vamos falar apenas de lendas, nem alimentar mistérios que dependem de nossa imaginação. Você cresceu, guerreiro menino, não é mais um curumim. Teve coragem para enfrentar as tucandeiras, traz no rosto as marcas do gavião e já consegue enxergar além das curvas do caminho. Hoje, vamos falar da verdade. É preciso entender o passado para saber o que nos aguarda no futuro. Quando seus pés tocarem o chão, pise com a certeza de que ninguém ama tanto esta terra como a nossa gente. Somos o povo da floresta. Os espíritos de nossos ancestrais dormem nos troncos das árvores. A candura de nossas mães flutua no ar, e se espalha no perfume das flores. O amanhã resiste em cada semente carregada pela força do destino, conduzida pelos pássaros que enfeitam nossos cocares, orientam nossas flechas e repovoam essa gigantesca floresta. Nós somos a floresta e deixaremos que o vento leve este canto aos homens de boa vontade. Eles precisam nos ouvir. Sim, guerreiro menino, porque quando não existir mais floresta, nossa gente será apenas lembrança e o que eles chamam de país, já não terá nenhuma esperança... CELEBRAÇÃO TRIBAL Nossos irmãos vêm de canoa, dos lugares mais distantes da floresta. Fazem uma roda no centro da aldeia. Corpos pintados, iluminados pela lua cheia. É noite de festa. Vamos dançar ao redor da fogueira. Mavutsinim, o Criador, nos chamou para celebrar a paz e o amor. Tambores, flautas e maracás tocarão a noite inteira. E quando o dia clarear, nossa alma despertará: formosa, cabocla, guerreira... Verdadeiramente brasileira! Devemos encarar a vida com simplicidade. A terra aquecida pelo Sol é a mesma que a Lua protege com o véu da noite, guardando as surpresas para o novo dia. Sonhos existem, mas o destino somos nós que traçamos: colhemos o que plantamos. A morte faz parte da vida. Ela é o resultado de nossas experiências. É a colheita de nossa existência. Ao guardar os espíritos de nossos antepassados em troncos sagrados, criamos uma ponte para a eternidade, No Kuarup, o que era mito, vira realidade. Celebramos essa derradeira viagem com muita alegria, festejando a certeza de que raros são os que partem com tamanha serenidade – servindo de exemplo para os seus e a comunidade. Cantamos e dançamos, orgulhosos do nosso jeito de fazer parte da Humanidade. O PARAÍSO ERA AQUI Amamos esta terra muito antes de ela se chamar Brasil. Desde o tempo em que não havia fronteiras. Era céu e chão, até onde os olhos pudessem alcançar, percorrendo serras, florestas, rios, cachoeiras... Sobre o ventre da Natureza, Tupã estendia o seu manto. Como por um encanto, do lago surgia um pássaro sagrado, protegendo a nação Kamayurá, fazendo a vida brotar... intensa, pujante, vibrante, com uma infinidade de cores. Nuvens de borboletas enfeitavam as flores. Pirarucus, tambaquis e tucunarés povoavam os igarapés. Aranhas tecelãs bordavam suas teias, pirilampos faiscavam na aldeia. Do alto dos buritis, ecoava uma sinfonia. Cigarra cantava, acompanhando um coral de aves. O som grave dos bugios e o esturro da suçuarana alertavam para um risco permanente à nossa frente. Quem vem lá? Kayapó ou Kalapalo? Tatu ou tamanduá? Assim era a nossa floresta, casa de nossa gente. Não foi por acaso que, quando o caraíba aqui chegou, imaginou estar no Paraíso – um Jardim Sagrado, de onde o próprio Deus dele o expulsou. O “ABRAÇO” DA SUCURI Se perderam o seu Paraíso, os caraíbas partiram para conquistar o nosso, pequeno guerreiro – talvez, por vingança de Anhangá, o feiticeiro. Impulsionadas pelos ventos da cobiça, as naus aportaram em nossas praias, trazendo ensinamentos que os invasores nunca ousaram praticar. Nada mais seria como antes. Em vez de nos tratar como semelhantes, nos chamaram de selvagens e tentaram nos escravizar. Vinham do Velho Mundo e representavam a civilização. Chegaram arrogantes, se apoderando de nossas terras e riquezas. Levaram ouro, prata e diamantes, e uma madeira que tingia com sangue, lembranças de tantas belezas. Em troca, traziam espelhos, doenças e destruição. Sua missão era usar a cruz de um Deus que morava no céu, fincando marcos aqui e ali; usando palavras sagradas, deixaram nossa gente esmagada, como no abraço lento e mortal da sucuri. BELOS MONSTROS Caraíba não mede consequências. Acredita na sua ciência, buscando o que chama de progresso. Derruba floresta, espalha veneno e acha o mundo pequeno para semear tanta arrogância. Invade nossas terras, liga a motosserra e no lugar dos troncos sagrados, planta ganância. Caraíba precisa de mais energia para alimentar os seus interesses. Cria verdadeiros monstros. Belos monstros... usinas que devoram rios, matam peixes, secam nascentes, inundam tabas e arrastam na lama o futuro de nossa gente. Não podemos deixar, guerreiro menino, que afoguem o nosso destino. Nossa casa é aqui! E não devemos nos curvar. Precisamos honrar cada dente do colar, cada palavra do irmão Raoni! CACIQUES BRANCOS Também é justo lembrar de caraíbas que foram amigos. Eles se embrenharam pelo sertão para fazer do Brasil uma grande nação, criando picadas, abrindo estradas e campos de pouso para a aviação. Foram os primeiros a escrever nessas terras a palavra integração. Eles ficaram encantados com o nosso jeito de ser. Não conseguiam entender que para respeitar e ser respeitado, nenhum de nós precisa vigiar ou ser vigiado. Responsabilidade sempre foi um princípio honrado com a família e a comunidade. Fizemos um kuarup para saudar esses caciques brancos em nossos rituais. Eu ainda era rapaz, pequeno guerreiro, quando os vi no Roncador. Acompanhei suas expedições. Vinham em batelões, trazendo respeito e amor. Ficarão para sempre em nossos corações, protegidos por Tupã. Louvados sejam os irmãos Villas Boas, que nos ajudaram a encontrar a passagem para o Amanhã! O CLAMOR DA FLORESTA As nações xinguanas se reúnem para celebrar o orgulho de ser índio e pedem licença para falar: Enquanto o caraíba não recuperar o seu equilíbrio, a Natureza agonizará. E sem ela, sem a proteção da Mãe de todos nós, estaremos ameaçados – seja na terra dos civilizados, ou nos confins dos povos isolados. Já é tempo de o caraíba cultivar a humildade e aprender com o índio o que chama de sustentabilidade. Precisa esquecer os lucros, o progresso, o consumo e o desenvolvimento; zelar pelos sentimentos e os compromissos com a Humanidade, retirando da Natureza apenas o que basta para o seu sustento. Jovem guerreiro, voe nas asas do vento e espalhe estas palavras de Norte a Sul. Os povos não-índios precisam entender que é chegado o momento de ouvir o clamor do Xingu! |
Pesquisa, desenvolvimento e texto: Cahê Rodrigues, Marta Queiroz e Cláudio Vieira Junho de 2016 GLOSSÁRIO Anhangá – Segundo o índio, espírito que vagava após a morte, atormentando os viventes. Batelões – Embarcações de fundo chato, usadas para navegar em rios rasos. Bugio – Espécie de macaco também conhecido como guariba ou barbado. Buriti – Palmeira que dá um fruto do mesmo nome, rico em vitamina C e largo uso na cosmética. Caraíba – Segundo o índio, o branco. Kalapalo – Uma das 16 etnias do Parque Indígena do Xingu. Kamayurá – Uma das 16 etnias do Parque Indígena do Xingu Kayapós – Uma das etnias do Brasil Central. Kuarup – Ritual xinguano em homenagem aos mortos. Mavutsinim – Segundo a etnia Kamayurá, o primeiro homem, o Criador. Pirarucus, tambaquis, tucunarés – Peixes dos rios da Amazônia e do Brasil Central. Raoni – Líder indígena da etnia Kayapó. Roncador – Serra do Roncador, o ponto mais central do Brasil, situado entre os rios das Mortes e Araguaia, entre os rios Kuluene e o Xingu, no Mato Grosso. Suçuarana – Onça parda. Tucandeira – Formiga cuja picada é capaz de matar um homem. No ritual de iniciação, quando da passagem do menino índio para a adolescência, os jovens guerreiros provam a sua coragem colocando a mão em luvas de palha com várias dessas formigas, suportando as ferroadas durante 15 minutos. Tupã – O deus supremo dos indígenas. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- BIBLIOGRAFIA CONSULTADA O Xingu dos Villas Bôas – Agência Estado/ Metalivros Parque Indígena do Xingu 50 Anos – Almanaque Socioambiental A Marcha Para o Oeste – A epopeia da Expedição Roncador-Xingu / Orlando e Cláudio Villas Bôas Xingu, Viagem Sem Volta – Julio Capobianco/ Editora Terceiro Nome Narrativas sobre povos indígenas na Amazônia – José Vicente de Souza Aguiar / Fapeam Diários Índios – Os Urubu-Kaapor - Darcy Ribeiro/ Companhia das Letras Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas – Padre João Daniel/ Contraponto Xingu, 55 Anos – O que o Brasil tem a aprender, por Renata Valério de Mesquita – Revista Planeta, Edição 519 – Abril 2015 Patrimônio Cultural do Xingu, por Ulisses Capozzoli – Scientific American – no 44 – Edição Especial *Texto divulgado à imprensa |
Lugar Perfeito pra Relaxar
ENREDO G.R.E.S IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE
ENREDO G.R.E.S SÃO CLEMENTE
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ENREDO G.R.E.S ACADÊMICOS DO GRANDE RIO
APRESENTAÇÃO
Jorge Amado, Obá de Xangô, escreveu, em Bahia de Todos-os-Santos:
“Porém nenhuma macumba é tão espetacular como essa da roça da Gomeia, ora Nagô, ora Angola, candomblé de caboclo quando das festas de Pedra Preta, um dos patronos da casa. Nos ritos nagôs, os santos do pai de santo da Gomeia são Oxóssi e Iemanjá; do pai de santo Joãozinho da Gomeia ou da Pedra Preta, um maravilhoso bailarino, digno de palcos de grandes teatros.
“Porém nenhuma macumba é tão espetacular como essa da roça da Gomeia, ora Nagô, ora Angola, candomblé de caboclo quando das festas de Pedra Preta, um dos patronos da casa. Nos ritos nagôs, os santos do pai de santo da Gomeia são Oxóssi e Iemanjá; do pai de santo Joãozinho da Gomeia ou da Pedra Preta, um maravilhoso bailarino, digno de palcos de grandes teatros.
Esse caminho de São Caetano, que leva à estrada difícil da Gomeia, é percorrido por quanto artista, quanto escritor e quanto sábio passa por essa cidade. Sou ogã desse candomblé, levantado por Iansã.”
Roger Bastide, um dos mais influentes sociólogos do século XX, explicou: “Essa coexistência não deixa de causar certa confusão: não haveria oposição entre o caráter do orixá e o do caboclo que disputam a mesma pessoa?
Joãozinho da Gomeia responde a essa dificuldade estabelecendo uma série de correspondências entre orixás e caboclos (o mesmo tipo de correspondência, aliás, que se estabeleceu entre os orixás e os santos do catolicismo), de modo que o mesmo ‘poder’ é que, com nomes diferentes, possuiria a mesma pessoa.”
E Abdias do Nascimento, em texto para o Quilombo, relatou o seguinte achado:
“Caxias se transformará num grande, imenso quilombo. Seu povo é todo negro. Cada fundo de casa é um terreiro, em cada encruzilhada se topa com um despacho pra Exu. Não é sem motivo que já chamaram Caxias de ‘Roma sem torre de igrejas...’
(...) Era dia de São João em Caxias. Os terreiros embandeirados; o lugar dos atabaques ocupado pelos músicos
(...). Nos Cartolinhas de Caxias a festa transcorreu animadíssima.
(...) Dançamos também no terreiro do famoso pai-de-santo Joãozinho da Gomeia, que, apesar de ser filho de Oxóssi, é um fervoroso devoto de São João.”
É com as bênçãos dos deuses apregoados que o GRES Acadêmicos do Grande Rio, nas águas correntes do sonho, levará ao asfalto sagrado uma história dos Brasis profundos. Um olhar para o nosso passado e para o legado de um líder negro, homossexual e nordestino, bailarino que ousou dançar com o poder instituído e enfrentou, queixo alto e voz potente, as navalhas do preconceito.
A comunidade de Caxias se veste para o xirê: cheguem todos, vamos juntos!
Nas tintas de Djanira, nos retratos de Pierre Verger!
Saudemos, unidos, Joãozinho da Gomeia!
SINOPSE
Chega de violência, sofrimento e dor
O pelourinho ainda não findou
para os ocultos opressores da nação
G. Martins, Adão Conceição, Barberinho, Queirós, e Nilson Kanema
- Águas claras para um rei negro (samba de enredo do carnaval de 1992)
Pandeiro quando toca
Faz Pedra Preta chegar
Viola quando toca
Faz Pedra Preta sambar
Baden Powell e Vinícius de Moraes –
Canto do Caboclo Pedra Preta
Rio é orixá, vento é inquice, maré é vodum,
pedra de riacho é encantamento de bugre.
Luiz Antonio Simas – A morada do rei dos índios
Okolofé!
Xetruá! Maromba Xeto!
Viva o Brasil-Caboclo e salve o Brasil-Pandeiro!
Faz Pedra Preta chegar
Viola quando toca
Faz Pedra Preta sambar
Baden Powell e Vinícius de Moraes –
Canto do Caboclo Pedra Preta
Rio é orixá, vento é inquice, maré é vodum,
pedra de riacho é encantamento de bugre.
Luiz Antonio Simas – A morada do rei dos índios
Okolofé!
Xetruá! Maromba Xeto!
Viva o Brasil-Caboclo e salve o Brasil-Pandeiro!
Jurema, Jibóia, Peri, Jupiara, Flecheiro, Jaciara, Aimoré, Tupiaçu, Campina- Grande, Cobra-Coral, Sete-Flechas, Sete Encruzilhadas, Girassol, Sultão-das- Matas, Guiné, Jaguará, Pena-Branca, Araranguá, Tabajara, Cachoeira, Tupaíba, Rompe-Mato, Guaraná, Mata-Virgem, Sete-Estrelas, Folha-Verde, Treme-Terra, Tira- Teima, Tupinambá, Ubirajara, Águia-Branca, Ventania, Arranca-Toco, Vira- Mundo... em verde, vermelho e branco, as cores dos seus cocares.
Em verde, vermelho e branco, as cores que nos irmanam.
Sambemos!
O samba é o dono do corpo. Exu, o pó das estradas: Laroyê! Clareia, Dindinha... As noites sem-fim da Bahia, já dizia Jorge Amado, guardam os sonhos daqueles que ousam varrer o mundo. Fumaça, perfume, poeira no redemunho. No fundo, no escuro da casa, as aparições teciam destinos emaranhados. Causos, sopros, quebrantos. Olhos pretos de carvão!
Rede que balançava a Lua nas lamparinas. Um clarão e o vulto ali: era homem?, era bicho? Voo de vaga-lumes, raízes tão retorcidas. As vozes dos devaneios indicavam o desenredo: deixar para trás os medos, nos passos do Conselheiro; seguir em direção ao mar e reinar no Trono de Angola. João Alves de Torres Filho, menino, vestiu-se em asas de pássaro.
Deu-se o fogo no mato!
Até parece mentira, até parece milagre. O samba é o dono do corpo. Ao Sol de São Salvador: Agô!
Flores aquareladas, folhas no chão do mercado. Coube ao velho Jubiabá, feiticeiro de muitas histórias, raspar a cabeça do moço. No alto do Morro da Cruz, sorveu o saber dos encantos. Nas festas de Dois de Julho, vestiu-se em mantos de penas. Vou-me embora pro sertão; viola, meu bem, viola! Foi na roça da Gomeia, aos pés de uma gameleira, que João da Pedra Preta firmou o seu Candomblé. Foi na roça da Gomeia, caminho de São Caetano, que as gentes mais afamadas fizeram mandinga e fuzarca. Dendezeiros, mesa farta. Axoxô e aluá. Quem não viu o bailado forte da Corte dos Orixás?
O samba é o dono do corpo. Oxóssi, o Rei caçador: Okê Arô!
Deu-se, então, a navegação. Para ser livre, nunca é tarde demais. Búzios, cauim, juremeira. Cascas, flechas de Keto. Perseguido por suas crenças e por sua visão libertária, João seguiu mar afora, aos braços do Redentor. Encontrou no chão de Caxias o ponto da nova Gomeia. Plantou os ensinamentos colhidos na roça baiana. Aldeia contemporânea, evocação ancestral. Baixavam os caboclos na Baixada, Auê!, no mesmo transe dos deuses d’África (oceanos de travessias). Bravos guerreiros daqui, saberes do ventre da mata. Do lugar, Oxóssi era o dono. Iansã, a mãe zeladora. Lambaranguange Mutalambô! Caça na Aruanda, ô coroa!
Flores aquareladas, folhas no chão do mercado. Coube ao velho Jubiabá, feiticeiro de muitas histórias, raspar a cabeça do moço. No alto do Morro da Cruz, sorveu o saber dos encantos. Nas festas de Dois de Julho, vestiu-se em mantos de penas. Vou-me embora pro sertão; viola, meu bem, viola! Foi na roça da Gomeia, aos pés de uma gameleira, que João da Pedra Preta firmou o seu Candomblé. Foi na roça da Gomeia, caminho de São Caetano, que as gentes mais afamadas fizeram mandinga e fuzarca. Dendezeiros, mesa farta. Axoxô e aluá. Quem não viu o bailado forte da Corte dos Orixás?
O samba é o dono do corpo. Oxóssi, o Rei caçador: Okê Arô!
Deu-se, então, a navegação. Para ser livre, nunca é tarde demais. Búzios, cauim, juremeira. Cascas, flechas de Keto. Perseguido por suas crenças e por sua visão libertária, João seguiu mar afora, aos braços do Redentor. Encontrou no chão de Caxias o ponto da nova Gomeia. Plantou os ensinamentos colhidos na roça baiana. Aldeia contemporânea, evocação ancestral. Baixavam os caboclos na Baixada, Auê!, no mesmo transe dos deuses d’África (oceanos de travessias). Bravos guerreiros daqui, saberes do ventre da mata. Do lugar, Oxóssi era o dono. Iansã, a mãe zeladora. Lambaranguange Mutalambô! Caça na Aruanda, ô coroa!
O samba é o dono do corpo. A carne é de carnaval: Evoé! João, malandro e vedete, abraçou o fuzuê das ruas – e no frenesi dos bailes causou o maior dos espantos. O pavão é um “passo” bonito; com suas penas douradas! Deuses de todos os credos reinavam nas passarelas. Qual não foi o bafafá quando ousou se vestir de Cleópatra? Foi ainda Faraó – “Saravá, meu pai Ramsés!” Do Teatro de Revista, herdou os leques de plumas. E nas escolas de samba foi “herói da liberdade”: Ganga Zumba, líder quilombola da saga de Palmares! Fama e notoriedade, luxo e raro esplendor. Oropa, França e Bahia bordadas em fantasias. Sob um céu de decorações, desfilou a sua grandeza. Alfinetou nos jornais: os olhos o procuravam!
O samba é o dono do corpo. O show não pode parar: Bravo!
O samba é o dono do corpo. O show não pode parar: Bravo!
João, bailarino brilhante, rompeu as fronteiras do rito. A arte o transfigurava: nos palcos da Zona Sul, nas luzes de hotéis e cassinos. Deixou no Municipal o aroma de benjoim. Deixou com Mercedes Baptista o sumo do seu bailado. Do Catete ao Katendê: foram muitos os notáveis que a ele entregaram a fé. Câmara Cascudo e Edison Carneiro beberam do axé caxiense – e podiam tranquilamente girar com Getúlio Vargas. Dos tragos com JK adveio a missão secreta: arriar mais de cem ebós em um eixo profetizado. Dizem que veio dela, a Rainha da Inglaterra, o título maioral: Joãozinho da Gomeia, o “Rei do
Candomblé”! A ele enviava presentes e à distância se consultava – graças ao amigo Chatô, nos ecos dos carnavais...
Candomblé”! A ele enviava presentes e à distância se consultava – graças ao amigo Chatô, nos ecos dos carnavais...
O samba é o dono do corpo. Oyá, nas rosas vermelhas: Eparrei! O vento que corta, arrepia. O raio que estoura, ensurdece. Nas folhas não maceradas, João avoou encantado - e pode ser redesenhado, andorinha no arrebol; e pode ser reinventado, enfim Labá-Labá. Na batida dos tambores, no Eruexim de Iansã, na espada de Kaiangô. Afefé! Podem ser revisitados os
encontros na Gomeia, podem ser reinstalados o desejo e a magia. De ver os terreiros floridos nas tardes de luz e festa. De ver as estrelas candentes no espelho das noites de gala. Fitas e franjas balançam e dançam nas festas juninas. Pinturas de jenipapo, grafismos de urucum. Nos traços do mestre Abdias, no abô de Omindarewá.
João de Inhambupe.
Do barro encarnado, o chão de Caxias.
Da terra que clama o chão de Zumbi.
Do Brasil que se faz cortejo. Do Brasil-contradições.
São negras memórias que se entrelaçam, em ciranda, com o tempo. Tempo Rei, compositor. Nzara, Senhor Kitembo!
São negras vitórias que moram nos roncós das nossas almas – e que na avenida explodem num grito de pertencimento. Respeito!
encontros na Gomeia, podem ser reinstalados o desejo e a magia. De ver os terreiros floridos nas tardes de luz e festa. De ver as estrelas candentes no espelho das noites de gala. Fitas e franjas balançam e dançam nas festas juninas. Pinturas de jenipapo, grafismos de urucum. Nos traços do mestre Abdias, no abô de Omindarewá.
João de Inhambupe.
Do barro encarnado, o chão de Caxias.
Da terra que clama o chão de Zumbi.
Do Brasil que se faz cortejo. Do Brasil-contradições.
São negras memórias que se entrelaçam, em ciranda, com o tempo. Tempo Rei, compositor. Nzara, Senhor Kitembo!
São negras vitórias que moram nos roncós das nossas almas – e que na avenida explodem num grito de pertencimento. Respeito!
São negras histórias marcadas nos pés do nosso passado – e que num presente tão duro resistem feito mocambos. Não quebram!
Vibra novamente o couro do atabaque!
Verde em cada menino o tronco do Quilombismo!
Porque há sempre de ecoar mais forte o canto de cada Caboclo.
Viva o Povo-de-Santo e salve o Brasil-Terreiro!
Xetruá! Maromba Xeto!
Axé, Tata Londirá!
Eu sou jongueiro, baiana
Sapucaí, eu vou passar
E a Grande Rio vem comigo, saravá!
Vibra novamente o couro do atabaque!
Verde em cada menino o tronco do Quilombismo!
Porque há sempre de ecoar mais forte o canto de cada Caboclo.
Viva o Povo-de-Santo e salve o Brasil-Terreiro!
Xetruá! Maromba Xeto!
Axé, Tata Londirá!
Eu sou jongueiro, baiana
Sapucaí, eu vou passar
E a Grande Rio vem comigo, saravá!
Carnavalescos: Gabriel Haddad e Leonardo Bora
Pesquisa e Texto: Gabriel Haddad, Leonardo Bora e Vinícius Natal
Pesquisa e Texto: Gabriel Haddad, Leonardo Bora e Vinícius Natal
Colaborações e Agradecimentos: Mãe Sandra da Gomeia (Seci Caxi), Tata
Sergio Jitu, Carlos Nobre, Danyllo Gayer, Luise Campos, Luiz Antonio
Simas, Maria Augusta Rodrigues, Renato Ferreira, Taís Noronha, Tânia
Amaro, Thiago Hoshino
Sergio Jitu, Carlos Nobre, Danyllo Gayer, Luise Campos, Luiz Antonio
Simas, Maria Augusta Rodrigues, Renato Ferreira, Taís Noronha, Tânia
Amaro, Thiago Hoshino
Referências Bibliográficas:
AMADO, Jorge. Bahia de Todos-os-Santos. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
AMADO, Jorge. Bahia de Todos-os-Santos. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
BASTIDE, Roger. O Sagrado Selvagem e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
BISILLIAT, Maureen; SOARES, Renato. Museu de Folclore Edison Carneiro. Sondagem na Alma do Povo. São Paulo: Empresa das Artes, 2005.
COSSARD, Gisèle Omindarewá. Awô. O mistério dos Orixás. Rio de Janeiro: Pallas, 2014.
DION, Michel. Omindarewa. Uma francesa no Candomblé, a busca de uma outra verdade. Rio de Janeiro: Pallas, 2002.
FARELLI, Maria Helena. Plantas que curam e cortam feitiços. Rio de Janeiro: Pallas, 2015.
GAMA, Elizabeth Castelano. Mulato, homossexual e macumbeiro: que rei é este? Trajetória de Joãozinho da Gomeia (1914-1971). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Niterói: 2012.
GAMA, Elizabeth Castelano. Um Rei Negro na Baixada Fluminense: memória e esquecimento. Revista Periferia: Educação, Cultura; Comunicação – v. 6, n. 2, 2014.
GAMA, Elizabeth Castelano. Uma trajetória de muitas histórias: João da Goméia e o conflito entre Candomblé e Umbanda nos “anos dourados”. Anais do XXVII Simpósio Nacional de História - ANPUH. Natal: 2013.
GUIMARÃES, Helenise Monteiro. As Áfricas de Pamplona e o Debret da trinca. Figurinos monumentais do carnaval carioca. In: Textos Escolhidos de Cultura e Arte Popular (TECAP). Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013.
MENDES, Andrea. Candomblé Angola e o culto a Caboclo: de como João da Pedra Preta se tornou o Rei Nagô. Revista Periferia – v. 6, n. 2, 2014.
MENDES, Andrea. O Rei do Candomblé nas páginas da revista. Joãozinho da Goméia em O Cruzeiro (1967). Recôncavo: Revista de História da UNIABEU – v. 4, n. 6, 2014.
MENDES, Andrea Luciane Rodrigues. Vestidos de Realeza: contribuições centro-africanas no Candomblé de Joãozinho da Goméia (1937-1967).
Dissertação de Mestrado em História Social – UNICAMP. Campinas: 2012.
Dissertação de Mestrado em História Social – UNICAMP. Campinas: 2012.
NASCIMENTO, Abdias. O Quilombismo. Documentos de uma militância pan-africanista. São Paulo: Perspectiva, 2019.
NASCIMENTO, Andréa. Salve Pai Pedra Preta: uma contribuição singela à trajetória do Babalorixá Joãozinho da Goméia. Mneme Revista de Humanidades – Departamento de História e Geografia da UFRN - v. 5, n. 11,
2004.
NASCIMENTO, Andréa. Salve Pai Pedra Preta: uma contribuição singela à trajetória do Babalorixá Joãozinho da Goméia. Mneme Revista de Humanidades – Departamento de História e Geografia da UFRN - v. 5, n. 11,
2004.
NOBRE, Carlos. Gomeia João. A arte de tecer o invisível. Rio de Janeiro: Centro Portal Cultural, 2017.
NORONHA, Taís Fernanda. Joãozinho da Gomeia. Memórias do Babalorixá em Duque de Caxias (1914-1971). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Humanidades, Culturas e Artes da UNIGRANRIO, 2017.
RUFINO, Luiz; SIMAS, Luiz Antonio. Fogo no Mato. A ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula, 2018.
SIMAS, Luiz Antonio. Pedrinhas miudinhas. Ensaios sobre ruas, aldeias e terreiros. Rio de Janeiro: Mórula, 2013.
SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.
VALENÇA, Rachel; VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha, Serrano. O Império do Samba. Rio de Janeiro / São Paulo: Record, 2017.
VERGER, Pierre Fatumbi. Orixás. Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo. Salvador: Corrupio, 2002.
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